domingo, 27 de julho de 2014

Rima de um outro verão

Eu sempre esperei descer as escadas e te encontrar ali. O coque desarrumado, o rosto vermelho e mesmo assim eu, deslizando os pés em sapatilha de lona, te encontraria no final dos degraus, pronto para me dar um abraço. Às vezes, quando a música é leve, te imagino me observando assim, de surpresa, pela janelinha da sala de aula. Eu ia me assustar, ia esquecer tudo, mas mesmo assim abriria um enorme sorriso com sua presença. Noutros momentos, você estava no teatro, fazendo parte daquele momento mágico, para compartilhá-lo comigo. Eu desceria do palco toda eufórico, esperando mais uma vez pelo teu afago. Uma coca-cola, um comentário, um beijo e o ano terminaria perfeito. Eu sempre te esperei, esperançosa.

Porque é ali que me estou em essência, que sou mais eu em corpo, alma, mente, espírito e energia. Ali sou completa. A plenitude que eu sempre quis que você conhecesse. A gente é mais do que essas fotos de peitudas e vestidos colados, sabe? A gente é aquilo que a gente expressa, que a gente simplesmente é, quando simplesmente sente. E isso tudo é muito especial e você tinha de fazer parte.

E você já foi muitos. Você já esteve em vários momentos. E você já foi de fato, nunca foi ninguém, nunca esteve lá e já esteve também. Você nunca quis saber, você já me perguntou, você já me viu. Já foi mais velho, mais novo, mais alto, mais baixo, moreno, de olhos claros... E na única vez que eu realmente tive "você" lá, "ele" não estava de fato lá comigo. Estava consigo mesmo. Minha ânsia por dividir o instante de encantamento se petrificou. Não, "você" não me recebeu com carinho, não fez seu comentário, não perguntou o que senti. Limitou-se a queixar-se. Por isso, "você" é "ele".

Já faz 20 anos, completados neste transformador 2014, que você nunca está lá. Te esperei de novo neste final de semana. Tocava a trilha de Amélie Poulain e virei o olhar para a janelinha. Ninguém no vidro. Ninguém para me descobrir. Ninguém nos degraus. A música tomou conta de mim. Teimo em não aceitar que faço isso só por mim. Afinal, você sempre esteve ali.





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