sábado, 20 de setembro de 2014

O momento zero

O momento zero é quase uma fatalidade, uma inevitabilidade da vida, mesmo que passemos nossa existência tentando evitá-lo. Antes, só o vácuo, o pó. É no momento zero que todas as expectativas se cruzam, que faz-se a criação e o conhecimento, em que se dá a luz. Depois, é o trilhar do caminho, fazer-se familiar, tomar conta e contato. E está criada a experiência, a história, a referência.

O momento -1 é a escuridão da pré-gênese. É o instante em que nada é. Tateia-se, infere-se, imagina-se. O -1 existe no campo das ideias, no solúvel. É o túnel sem fim, uma gestação eterna. Nada é, mas tudo pode ser. O caminho é longo.

E existe o início, o instante número 1. Às vezes, ofusca, às vezes é nublado. Pode terminar no 2 ou ser infinito. É o momento da primeira tentativa, do primeiro dia, do primeiro beijo, da primeira viagem. É o campo da experimentação, da sapiência, da concepção.

Me perdoe se não aceitei seu convite, se não te dei bola, se não dei a você e a mim a oportunidade de conhecê-lo. Foi a minha inabilidade de lidar com o momento zero que me impediu. O medo de não saber onde colocar as mãos, de não saber o que dizer e de ter de transpor esse - ugh! - difícil momento do iniciar. E o medo de não gostar ou de gostar de você. E você de mim. E de não saber o que fazer com isso tudo.

E destruo meu próprio temor, encaro que a vida só se faz a quem se dispor ao momento zero. A expandir o que é infinito, sair da zona do conhecido para encarar o novo. A desordem da evolução e da revolução. Desbravar o primeiro passo para que se faça dele uma trilha conhecida. E qualquer paralisia é morte num universo de eterno conhecer.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Clarividência

Olhou para o relógio, que marcava 5:50. Manteve-se imóvel por alguns minutos, contemplando o fio de claridade que começava a escapar entre as frestas da janela. A posição era confortável. Manteve o corpo pesadamente largado, sobre os próprios pensamentos. Era muito cedo ainda. Tinha muito tempo para permanecer, embora o corpo já desse sinais de que a energia estava revigorada e pronta para percorrer as veias.

Virou-se. Ouviu o primeiro piar do dia e fechou os olhos novamente. Ainda era madrugada. Ainda custava para que a manhã chegasse - mas que bonita deve ser a aurora, pensou. Mesmo assim, preferiu buscar mais uma vez o sono. Agora já deve ser hora. Desvirou-se. 6:08. Ignorou. Ignorava a si mesmo, a vontade contrária do corpo de sair saltitante. Não, não se reprimia. Tinha certeza. Não era um impulso, mas uma opção. Ao menos naquele momento.

Na escuridão dos próprios olhos fechados, a mente falava. Conversava, esbravejava. Tentava convencê-la a calar-se. Cobriu a cabeça e rendeu-se a um espreguiçar, para entregar-se de novo à imobilidade, certo de que a sensação de relaxamento depois de esticar-se o conduziria a um delicioso sonho. Sentiu um leve torpor e teria adormecido, não fosse agora o forte raio de luz que refletia em um objeto cromado.

Só queria adormecer mais uma vez. Mais um pouco; mais um momento. Será que fazia frio? Decidi que não importava; tinha seus cobertores. Perguntou-se se já havia movimento na rua, mas recusou-se a abrir as cortinas. Já era quase 8 horas, veja só! Esperara tanto! Mas ainda não era o suficiente e deitou-se de bruços.

As pernas já estavam impacientes e o Sol já raiava, mesmo que o dia estivesse reticente. A cidade começava a fazer barulho e tudo já despertava. Questionou o valor das horas, confundiu-se por instante. E cansou. 10:04.


Não, ele ainda não acordou.


                 Claridade - Ana Carolina