segunda-feira, 18 de março de 2013

A dama dos olhos de mar e dos cabelos de fogo

Foi há três anos que eu me assustei quando comecei a ver os comentários dos colegas de dança no Orkut e no Facebook. "Não acredito!", dizia um. "Muito triste", chorava a outra. Dado o contexto, comecei a me apavorar com o que poderia estar causando aquelas linhas. As frases continuaram multiplicando-se até que, por volta da hora do almoço, passei a mão no telefone e liguei para a academia. A recepcionista atendeu e me identifiquei como aluna. - Diz que não é verdade as coisas que estou lendo na internet. - Infelizmente, é verdade sim, respondeu.

Naquele dia, não tive dúvida do que ia fazer. Saí da IMPRENSA e fui direto à Igreja da Salete. Foi o velório mais triste que já presenciei - claro que toda perda é dolorida, mas nesse caso, não havia frases de consolo. "Ah, ela já estava velhinha" ou "Estava muito doente". Eram os olhos mais azuis e mais vivos, que contrastavam com os cabelos vermelhos de uma mulher jovem e vibrante, que inspirava a todos nós. Nunca vi tantas flores, tantas coroas, tantos nomes famosos, tanta gente, tanto entra-e-sai. Encontrar com os amigos da dança naquele dia e naquele local era um tanto tenebroso - ir à escola e conversar com os pares era sinal de alegria, não de consternação.

Aos sábados, saía da aula do Edy e ficava ali, imóvel, no vidro da sala, babando nas coreografias que ela montava, me perguntando quando estaria pronta para as aulas dela - acho que não estaria até hoje, se tivesse a oportunidade. Às vezes, a persiana fechada indicava que havia algo de especial ali. "A Marília Pêra está aí", ouvia. Certa vez, cruzei com a Wanessa Camargo no vestiário. Os cabelos longos e escuros como os mesmos, dentro do camisetão preto fizeram-me confundi-la com outra aluna. "Pendura o figurino ali", falei, pra me dar conta tempos depois.

Pelos corredores, cruzava com a Roseli e ela sempre me cumprimentava. Mesmo assim, tinha sempre a impressão de que, apesar de frequentar a escola de dança há quase oito anos, ela não tinha ideia de quem eu era, de que aula eu fazia, do meu nome. Uma vez, nos ensaios do último espetáculo dirigido por ela, treinávamos "Rakhi" e ela assistia. Naquele dia, ao se deparar com um quebra-cabeça coreográfico, ela perguntou: "O que a Pamela está fazendo nessa hora?" É, eu estava errada.

Não havia quem a conhecesse, conhecesse seu trabalho e não a admirasse. Dona de tantas premiações, autoras de tantas inovações. Ela se foi, mas ainda amo tudo o que ela deixou; ainda gosto de dançar o que ela ensinou, mesmo que por meio de outras mãos, muito bem inspiradas por ela. Foi inovadora na maneira de pensar a dança, o corpo, de integrar elementos brasileiros à sisuda técnica do balé. Era pródiga na escola das melodias e do figurino, era firme e insistente quando o assunto era alcançar a perfeição da coreografia. Além disso, ainda militava por uma sociedade que reconhecesse o papel dos bailarinos que formava. Felizmente, o legado foi transmitido a tempo; e há muita gente ainda inspirada e disposta a continuar difundindo o que ela criou e ensinou.



http://www.youtube.com/watch?v=PIR11mgKSfg