quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Adoro Joaninhas. Uma delas pousou em mim, agora há pouco; era preta de bolinhas brancas e alaranjadas. Pegou carona até a Praça da República, onde deve ter ido encontrar as companheiras de espalhar cor e sorrisos por aí.
Teimo em achar que joaninhas prenunciam sorte.

domingo, 23 de outubro de 2011

Uma escolha é sempre duas

Tudo contém em si também o seu contrário, segundo a teoria da dicotomia. Dentro de um "sim" há sempre um "não". Cada escolha contém um universo de possibilidades - e de perdas, de senões, de poréns. Há muito o que escolher na vida, mas há muito o que se deixar escolher também. É esta eterna dicotomia que bate à porta anos depois, com a conta na mão, como um post-it fluorescente que não deixa esquecer da opção feita no passado. Que se aproxima travestida de dúvida, de curiosidade, de um mau humor súbito e um desânimo sem explicação. É um inexplicável sonho na madrugada, a lembrança no meio de um dia de trabalho, o cheiro que faz arrepiar a espinha. Elas vêm pra lembrar de um amor mal-resolvido, da esperança deixada pra trás, da falta de coragem daquele dia ou da vontade reprimida.

Há muito o que se escolher nesta vida, mas há muito também que deixar-se ser escolhido. Sussura no ouvido, vez ou outra, a possibilidade negada e a impossibilidade de ver o que não aconteceu. Escolhes com os elementos que te circundam no instante da decisão. Mas já não serás o mesmo que vai refletir sobre ela pouco depois... É aquela voz que fala somente à alma, que não faz ruído algum. Mas que ecoa, ecoa, ecoa...

domingo, 16 de outubro de 2011

Um dia a mais

Ela viva assim. Parecia sempre tranquila enquanto rusheava pela cidade. Corria de um lado para o outro. Deixar a peteca cair não era algo que se aplicava a ela. Muito pelo contrário. Jogava-se no chão para segurá-la, tal como um jogador de vôlei esfola os joelhos para impedir o ponto do adversário. Ia caminhando pelo corredores e fazendo o tec-tec dos sapatos de salto médio; precisava de praticidade, mas de alguma altivez, que mantinha sempre com a peteca na mão.

Ia e voltava mais de três vezes ao dia; mantinha os pensamentos meticulosamente organizados mesmo quando parecia que ia perdê-los de vista. Alguns invejavam e outros criticavam a aura de infalibilidade. Encontrava energia quando as pernas bambeavam e não podia falhar com o próprio sono! Mas mantinha sempre-se centrada, em meio à correria, que não lhe fazia mal. Em meio aos horários, observava os carros na ponte e sentia a plenitude de fazer parte daquilo; no fim do dia, sentia-se parte do silêncio da cidade. E contemplava. Aproveitava tudo aquilo com devoção. Mesmo que houvessem dias cinzentos, sabia que eles não eram a maioria.

Naquele dia, foi. Foi novamente. Fez. Depois fez outra coisa. Fez de novo. Ligou. Desligou. Sabia exatamente o que fazer e como fazer. Escolheu os melhores brigadeiros. Sentia o sol queimar a pele com deleite, enquanto entrava no carro novamente, em busca de mais um destino. Fez uma série de escolhas, assumiu mais uma dúzia de afazeres. Gostava de olhar-se no espelho, impecável. Sorria para o carro ao lado, enquanto rumava ao supermercado, à padaria, à lavanderia, à perfumaria. Chegara em casa tarde da noite, quando o silêncio já reinava novamente. Sentara aliviada, mas já não sabia mais o que fazer. Naquela noite, quieta no sofá, envolta pela noite quente e linda, ela percebeu. Passava os dias afogando-se em compromissos que a entorpeciam, tentando fugir da imagem que não estava na moldura, mas que continuava ali, sentada no sofá...

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Feedback in me

Eu ODEIO o dia do feedback. Especialmente quando estou à frente de turmas que me cativam. Sim, porque eu sou uma dessas pessoas que se apegam - às coisas, às pessoas, aos lugares. Sim, eu sou uma dessas pessoas que acredita que a vida é mais do que um eterno vai-e-vem, sou uma dessas pessoas que valorizam cada olhar pela janela, cada soprinho e cada suspiro da vida e de vida. Que admira todos os acasos, detalhes e pormenores; que enxerga poesia ali na esquina...

E, mesmo em apenas dois meses - contra os seis de cursos regulares - eu consigo sair da escola como se tivesse deixado 18 filhos para trás. Ali da frente, a gente olha fundo nos olhos de cada um para tentar entender as angústias e dificuldades; tenta ser um pouco psicóloga, um pouco sargento, um pouco instrutora. E, muitas vezes, acaba se identificando, ganhando sorrisos, simpatias e algumas amizades. E é bela essa mágica da vida: uma grande perda pode ser revertida em 18 novas histórias e multiplicar aquilo que você havia esquecido dentro de si...

O corredor completamente vazio no fim do dia do feedback me faz querer preenchê-lo com palavras, com pão-de-mel, com uma ducha quentinha. Mas este é o tipo de vazio que não signfica ausência, mas que algo já foi devidamente preenchido.

domingo, 2 de outubro de 2011

Sobre cultivar e cativar

A gente cultiva de propósito, mas cativa sem querer. A gente cultiva aquilo que quer ver crescer e cativa pela força da vida e das afinidades. Me cativam o aspirante a monge, os alunos que me olham profundamente nos olhos e as crianças que pedem para segurar minha mão. E faço questão de cultivar tudo aquilo que me cativa; porque qualquer elo exige dedicação ou ele se perderá. Resgatá-lo é sempre mais difícil, exige uma dose extra de aragem. E de sorte.
A gente cativa e deixa-se cativar à medida que nos tornamos seres humanos melhores, à medida que estamos receptivos e deixamos fluir nossa essência; à medida que conseguimos a conexão com o que há de essencial no outro, enquanto seres humanos. E o cultivo é um trabalho árduo, mas gratificante, que requer investimento, paciência e ternura.
O que faz morrer uma coisa e outra, muitas vezes, é a artificialidade imposta pelas organizações e pelo excesso, pela aritificialidade que se impõe nos processos da vida de hoje e pela efemeridade das relações, pelo esvaziamento das relações humanas, que eu vejo agravar-se com o passar dos anos, presente da destituição das famílias, da falta de disposição para resgatar laços familiares, na preferência dos colegas de balada aos amigos de infância e na escolha de amores devastadoramente úteis e pré-datados. Meu querido leitor, meu querido companheiro, se gasto precisos minutos de minha vida escrevendo isso é com a sincera intenção de cativar-te e cultivar-te...