domingo, 16 de outubro de 2011

Um dia a mais

Ela viva assim. Parecia sempre tranquila enquanto rusheava pela cidade. Corria de um lado para o outro. Deixar a peteca cair não era algo que se aplicava a ela. Muito pelo contrário. Jogava-se no chão para segurá-la, tal como um jogador de vôlei esfola os joelhos para impedir o ponto do adversário. Ia caminhando pelo corredores e fazendo o tec-tec dos sapatos de salto médio; precisava de praticidade, mas de alguma altivez, que mantinha sempre com a peteca na mão.

Ia e voltava mais de três vezes ao dia; mantinha os pensamentos meticulosamente organizados mesmo quando parecia que ia perdê-los de vista. Alguns invejavam e outros criticavam a aura de infalibilidade. Encontrava energia quando as pernas bambeavam e não podia falhar com o próprio sono! Mas mantinha sempre-se centrada, em meio à correria, que não lhe fazia mal. Em meio aos horários, observava os carros na ponte e sentia a plenitude de fazer parte daquilo; no fim do dia, sentia-se parte do silêncio da cidade. E contemplava. Aproveitava tudo aquilo com devoção. Mesmo que houvessem dias cinzentos, sabia que eles não eram a maioria.

Naquele dia, foi. Foi novamente. Fez. Depois fez outra coisa. Fez de novo. Ligou. Desligou. Sabia exatamente o que fazer e como fazer. Escolheu os melhores brigadeiros. Sentia o sol queimar a pele com deleite, enquanto entrava no carro novamente, em busca de mais um destino. Fez uma série de escolhas, assumiu mais uma dúzia de afazeres. Gostava de olhar-se no espelho, impecável. Sorria para o carro ao lado, enquanto rumava ao supermercado, à padaria, à lavanderia, à perfumaria. Chegara em casa tarde da noite, quando o silêncio já reinava novamente. Sentara aliviada, mas já não sabia mais o que fazer. Naquela noite, quieta no sofá, envolta pela noite quente e linda, ela percebeu. Passava os dias afogando-se em compromissos que a entorpeciam, tentando fugir da imagem que não estava na moldura, mas que continuava ali, sentada no sofá...

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