sábado, 20 de julho de 2013

Gol de placa

Eu, que andava me perguntando onde estava a garota jornalista, cronista, poetisa do corpo e das palavras. Não me achava em mim mesma e me preocupava meu paradeiro. Foi quando fui tomada por um turbillhão de emoções que reviraram memórias e muito aprendizado dentro de mim. Tive um encontro decisivo comigo mesma.

Era meu terceiro dia naquele lugar, e o vi pela primeira vez trazendo geléias e queijos da França. Achei aquilo tudo muito inusitado e caloroso. Fui apresentada em meio a muitos croissants, mas mesmo com a doçura do lanche, admito que me pôs medo - não só pelo cargo que ocupava, mas também pela figura de quase dois metros de altura.

Mas fui conhecê-lo, de fato, quase um ano depois. Mantinha certa distância, sem muita explicação. Foi naquele dia, que, meu então editor, me disse: "Vai lá na sala do Manza, ele quer conversar com você". Fui até lá meio jeito, e sem convicção de aquela poderia ser uma conversa positiva. Recebi a "bronca" mais importante e mais agregadora até hoje. "Você achou que estava escrevendo para a Info Exame?", disse Rodrigo Manzano, com calma e olhar sóbrio. Com a paciência que lhe era peculiar, me explicou como deveria ser a matéria. Manzano era uma pessoa de construir, sempre. De bom e fino trato. Nunca o vi levantar a voz ou agir com rispidez. Bem, aquela foi a melhor correção de rota na minha vida profissional. E graças ao jeito parcimonioso e inteligente que me expôs a questão, voltei para minha mesa e reescrevi a matéria no mesmo dia - e a partir dali, senti que a barreira que eu mesma tinha imposto havia se quebrado. Fui muito valorizada depois e aprendi muitas coisas - sobre jornalismo, sobre budismo, sobre o relacionamento com as pessoas.

Depois disso, conheci os óculos de aros vermelhos, o sorriso quase pueril, o humor inteligente, os insights mais interessantes, as sacadas mais geniais, as ideias mais brilhantes e um ser humano raro. Gentil, solidário, bem humorado e brilhante. Sentado na minha estação de trabalho temporariamente, notei um brilho avermelhado dentro do copo de água. "Sua Mônica - uma bonequinha de plástico, à semelhança do personagem de Maurício de Sousa - disse 'Calor, calor!'. Aí resolvi colocar aí, pra se refrescar". Gargalhei com a história, enquanto ele continuava a falar de assuntos sérios e a fazer a Mônica nadar.

Com ele, as reuniões de pauta não terminavam, mas acabam sempre com um quê de genialidade. Na sua primeira partida, sabíamos que nada mais seria o mesmo. Ouvir sua voz dando risada e saindo da salinha da frente era quase como parte da mobília. Um armário grande que deixara uma marca de poeira inapagável na parede. Esta já é a segunda vez. Rô, a única coisa que não podia se encerrar era você mesmo.






domingo, 7 de julho de 2013

Ainda ontem

Fazia muito tempo. O rosto vira vulto, as memórias ficam lacradas, o sorriso esvai e os olhos ficam monocromáticos. Nenhuma cena de que se tenha lembrança tem vivacidade; são apenas trajetos de uma mesma narrativas, letras de uma página entre tantas outras. Até o minuto traiçoeiro em que um feixe de passado escapa da caixa do que já foi e mergulha no oceano do presente. E te vejo ao meu lado: "Fala!", você dizia e gargalhava. Quantas vezes caí na mesma piada, que embora fosse ridiculamente previsível, vencia-me sempre pela oportunidade e pelo oportunismo. Uma lágrima e um sorriso; como foste importante pra mim! Deixo-te ir, mas permito que fique...

segunda-feira, 24 de junho de 2013

De tudo o que eu ainda não vi

A palavra saudade entala na garganta, mesmo que se julgue não haver razões para isso. Saudade de um futuro de não foi, que não haverá de ser. Mas que estava ali escrito em algum lugar, mesmo que com tinta fraca. Fica a sensação de incompletude, de eterna reticência. É um ciclo sempre aberto, escancarado, mas estagnado, sem a possibilidade de conclusão.

Saudade vem do sentimento de estranheza e solidão que os portugueses experimentavam longe da terra natal; daí o motivo da palavra ser conhecida apenas em português. Talvez não seja bem saudade; saudade tem a ver com saudar, com a espera do retorno. Aqui, mal há a espera de um contorno. Há interrupção e interrogação. Um descontentamento com a impossibilidade, um grito contido. Como um filme encerrado no meio, depois da cena mais crucial. Restam todos os questionamentos e a frustração.

E não há muito o que revirar, o que desvendar. As obviedades gritam, saltam na tela, urram em cada pensamento. É claro, tão óbvio que não há mais nada o que checar. E também não nada a temer ou a querer. Há apenas uma explícita proposta de despreendimento.

domingo, 2 de junho de 2013

Drowning

Ainda queria dizer muitas outras coisas, muito além daquilo que a mente permitia naquele momento. Sabia que se arrependeria dentro em breve, que não eram aquelas palavras a serem proferidas. Entre um suspiro e  uma pausa, tentava racicionar como podia fazer melhor, sem sucesso algum. Faltavam-me as ideias. Ia retumbando entre o eco de sua voz, mas cada vez que quisesse tentar uma sacada genial, a emenda era sempre pior que o soneto. Era melhor render-me à inaptidão.

Tentava ser, na esperança de que qualquer alguém que pudesse aparecer em meu corpo, naquele momento, pudesse ter final diferente. Mas tudo o que fazia era vacilar. A eloquência não faltava, mas pouco progredia no sentido certo. Caminhava a passos curtos, tropeçava, balbuciava e desistia. Quando persistia, era para condenar-me ao horror de revisar a trágica performance de minutos atrás. Permaneceria calada, se pudesse. Diria não à qualquer feixe de insistência interna.

Precisava só de um pouco mais de coragem e ousadia. E se perdesse? Perdas são parte da vida; mas não era óbvio que podia suportá-la. Por isso escolhia sempre o recuo. E se dessa vez fosse diferente? Era a antevisão do que aconteceria que assustava. Quisera ter fé em mim mesma quando sentia e quando tudo dizia o contrário. Eu era, de fato, um paradoxo sem fim.

segunda-feira, 18 de março de 2013

A dama dos olhos de mar e dos cabelos de fogo

Foi há três anos que eu me assustei quando comecei a ver os comentários dos colegas de dança no Orkut e no Facebook. "Não acredito!", dizia um. "Muito triste", chorava a outra. Dado o contexto, comecei a me apavorar com o que poderia estar causando aquelas linhas. As frases continuaram multiplicando-se até que, por volta da hora do almoço, passei a mão no telefone e liguei para a academia. A recepcionista atendeu e me identifiquei como aluna. - Diz que não é verdade as coisas que estou lendo na internet. - Infelizmente, é verdade sim, respondeu.

Naquele dia, não tive dúvida do que ia fazer. Saí da IMPRENSA e fui direto à Igreja da Salete. Foi o velório mais triste que já presenciei - claro que toda perda é dolorida, mas nesse caso, não havia frases de consolo. "Ah, ela já estava velhinha" ou "Estava muito doente". Eram os olhos mais azuis e mais vivos, que contrastavam com os cabelos vermelhos de uma mulher jovem e vibrante, que inspirava a todos nós. Nunca vi tantas flores, tantas coroas, tantos nomes famosos, tanta gente, tanto entra-e-sai. Encontrar com os amigos da dança naquele dia e naquele local era um tanto tenebroso - ir à escola e conversar com os pares era sinal de alegria, não de consternação.

Aos sábados, saía da aula do Edy e ficava ali, imóvel, no vidro da sala, babando nas coreografias que ela montava, me perguntando quando estaria pronta para as aulas dela - acho que não estaria até hoje, se tivesse a oportunidade. Às vezes, a persiana fechada indicava que havia algo de especial ali. "A Marília Pêra está aí", ouvia. Certa vez, cruzei com a Wanessa Camargo no vestiário. Os cabelos longos e escuros como os mesmos, dentro do camisetão preto fizeram-me confundi-la com outra aluna. "Pendura o figurino ali", falei, pra me dar conta tempos depois.

Pelos corredores, cruzava com a Roseli e ela sempre me cumprimentava. Mesmo assim, tinha sempre a impressão de que, apesar de frequentar a escola de dança há quase oito anos, ela não tinha ideia de quem eu era, de que aula eu fazia, do meu nome. Uma vez, nos ensaios do último espetáculo dirigido por ela, treinávamos "Rakhi" e ela assistia. Naquele dia, ao se deparar com um quebra-cabeça coreográfico, ela perguntou: "O que a Pamela está fazendo nessa hora?" É, eu estava errada.

Não havia quem a conhecesse, conhecesse seu trabalho e não a admirasse. Dona de tantas premiações, autoras de tantas inovações. Ela se foi, mas ainda amo tudo o que ela deixou; ainda gosto de dançar o que ela ensinou, mesmo que por meio de outras mãos, muito bem inspiradas por ela. Foi inovadora na maneira de pensar a dança, o corpo, de integrar elementos brasileiros à sisuda técnica do balé. Era pródiga na escola das melodias e do figurino, era firme e insistente quando o assunto era alcançar a perfeição da coreografia. Além disso, ainda militava por uma sociedade que reconhecesse o papel dos bailarinos que formava. Felizmente, o legado foi transmitido a tempo; e há muita gente ainda inspirada e disposta a continuar difundindo o que ela criou e ensinou.



http://www.youtube.com/watch?v=PIR11mgKSfg

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Chuvas de verão - capítulo 1

Ela continuava, mesmo sob a garoa. O dia era quente, mas as pequenas agulhadas a incomodavam. Seguia mesmo assim. Sabia que era transitório, assim como as agulhadas mais fortes que sentia todos os dias. Esforçava-se para suportá-las hora após hora, enquanto perguntava-se quais seriam os limites daquela situação. Qual seria seu próprio limite. Até quando conseguiria sustentar uma situação daquelas?

Tinha decidido suportar. Possuía poucas ferramentas para isso, mas o que ajudava, de fato, na desgastante tarefa, era ver aquele rosto. Em meio às alfinetadas, vê-lo, mesmo que ao longe, trazia-lhe a serenidade de volta, por alguns instantes. Dava-lhe fôlego para continuar por mais um dia. E quando cada minuto parecia eterno, escolhia olhar pela janela, sentir o ar fresco e procurar pelos belos traços que acalmavam-lhe a alma. Era quase um desconhecido que devolvia a ela a mania de acreditar, a cada vez que sorria para a moça.

Naquela época, não importava quem ele fosse, como era sua personalidade e seu caráter. Desejava apenas que estivesse sempre ali, dando alguma ordem e algum sentido ao mar revolto. Sua presença acenava com a força psicológica da qual precisava. Não sabia se de fato era notada. Talvez fosse arriscado demais saber. E tinha pouco a arriscar agora. Bastava o sorriso.

domingo, 27 de janeiro de 2013


Me pergunto se a tal pessoa que acendeu o sinalizador que condenou à morte outras centenas, sobreviveu. E me perguntava se o dono da brilhante ideia também. Indigna porque, mais uma vez, na mesma semana, poderíamos ter sido eu e você. Assim, jovens com a vida toda pela frente, que saiu de casa com todas as expectativas de um domingo preguiçoso, com muitos motivos para dar risada.

O problema é que é sempre mais álcool, sempre mais drogas, sempre mais luzes, mais velocidade, mais ação, mais "emoção". Não bastava o palco que muitos almejam, a casa de primeira linha, a multidão enfervecida. É preciso sempre mais. Os donos desses excessos condenam a própria e a de outros ao seu redor. E ainda alguém há de dizer: "pobrezinho, foi um acidente". Fechamos os olhos para os excessos, para a busca vazia de emoções efêmeras e incapazes de preencher o vazio maior de nossas vidas - a perda das relações, do respeito, dos valores, da capacidade ver a beleza natural, a vida despida de maquiagem.


E são essas as pessoas que frequentemente fogem das emoções da vida real. Que evitam as responsabilidades, os envolvimentos, o aprofundamento em qualquer questão que dure mais de uma noite e que não se vá em algumas horas. As emoções da vida cotidiana. Não constroem, não dizem, não se posicionam, não se responsabilizam e não se apegam.

A tragédia é sintoma de uma sociedade despedaçada, da ausência dos valores, da queda iminente daquilo que nos faz mais humanos.... Na mitologia grega, Zeus em todo o seu esplendor e glória, exibia-se entre raios e trovões, mas condenando à morte os humanos que queriam vê-lo.

Por que tanta gente esquece da nossa própria condição humana? Que precisa descansar, se machuca, que se ressente, que não é capaz de tudo?