segunda-feira, 23 de junho de 2014

Parecendo e aparecendo

"Mas ele parecia tão sincero!", exclamou uma amiga. Parecia. Não necessariamente o era.

Passei a minha infância toda ouvindo que eu deveria uma pessoa bonita "por dentro"; talvez até mais bonita por dentro do que por fora. Que eu deveria me esforçar em ser uma pessoa generosa e agradável, em ter cultura e cultivar relacionamentos; provavelmente esse seria o caminho para me tornar mais valiosa e inclusive irradiar algum tipo de "beleza" - que nunca entendi bem se a física ou se era mesmo um tipo de beleza transcendental. Demorei a compreender que poderia ser fisicamente bonita, vaidosa como sou, e ainda cultivar meus valores.

Mas o que me deixa perplexa e até um pouco indignada é o quanto as pessoas esforçam-se para "parecer"; nunca mais ouvi o discurso do "ser" e da beleza interna. Será que ainda ensinam isso nas escolas, nas famílias? O Facebook é o ícone primordial e o instagram é ditadura máxima do parecer. "Me vejam! Me olhem! Me admirem!" - berram os posts. Nada mais tem valor enquanto vivido, mas quando mostrado apenas. Não vejo graça na foto de petiscos na mesa de bar. "Olhem onde fui! Vejam por onde viajei! Notem o que comi!" Pergunto: e a delícia de chegar de um passeio e contar, com toda aquela euforia e brilho nos olhos, para a mãe, o pai, o namorado, o amigo de todo dia, os colegas de trabalho? A gente conta mesmo para a tela, sem saber se alguém está "ouvindo"?

No instagram, corpos bonitos. Rostos bonitos. Passeios bonitos. O mundo de plástico. As mulheres de silicone, os filtros e os "follow-for-follow". Oi? Eu preciso ter milhares de followers para ter meu valor na rede, na sociedade, na vida? A troca de follows me faz mais importante? E se eu estiver doente? Tudo bem se eu acordar com a cara inchada hoje? Será que a nova geração vai saber que existe o nariz vermelho, cabelos despenteados, a cara lavada ou vão apenas relacionar-se pela tela? Gente, eu quero poder ser normal sem ter medo disso. Ah, e os filtros. Alguém aí sabe que eu tenho sardas?

E se eu não parecer com as rainhas do fitness, da maquiagem e com as missses? E se eu não comer um monte de coisas legais, e se eu não passear tanto assim e se eu quiser ler um livro? Ainda tenho valor na sociedade do parecer, da visibilidade?

Formei-me em 2004 e, uns dois anos antes, lembro-me perfeitamente de uma das aulas da professora Malena Contrera, sobre o voyerismo dos viajantes, que preocupavam-se mais em tirar fotos para "viver" (e não "reviver", notem) a viagem por meio de imagens, prezando mais o pictório do que as sensações. Tenho a impressão de que sou uma solitária nesse mundo, buscando pessoas que me toquem e experiências que me tragam prazer além do visual.

O "ser" ainda tem valor, nesta sociedade? Carrego comigo aquele velho e precioso símbolo: "Ele é tão legal que até ficou bonito". "Me cativou aos poucos". Fragmentos de uma vida que existe, nas sensações, além da estética e das máscaras, tão simples de vestir.

Claro que já me vi rendida algumas vezes. Até que bati de frente com a frustração. Quanta obrigação em "parecer" bela, entoar algum status e quantas prisões. Aprendi as dosá-las; algumas fotos existem só pra mim. Outros momentos existem sem fotos, mas permanecem no registro de uma bela emoção. O que não parece, simplesmente é.


Famosas - e autênticas - de cara lavada


Tô indo dormir. Mesmo. 




P.S.: Texto ainda sem revisão. Sujeito a edição e até mesmo exclusão.




Um comentário:

  1. Também lembro dessa aula, Pamela! Bela lembrança! E o texto está ótimo! Parabéns! Beijos!

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