segunda-feira, 23 de abril de 2012

A companheira


Depois de fazer exercícios, decidiu caminhar de volta para casa. Caminhava lentamente para que o corpo se acalmasse. A mochila preta e vermelha pendia no ombro direito; os cabelos, que já precisavam de aparo, começavam a ficar levemente molhados por causa  da garoa fina. Não tinha pressa de chegar. Tentava afastar a ideia, recusava-lhe a atenção, certo de que se esvairia dentro de alguns instantes. E, conforme previa, se esvaía. Ele dava-se como o vencedor, sem considerar que o ciclo retomava-se a cada oportunidade, entremeava cada pensamento.

Temia ter de reconhecer o questionamento. Temia o momento em que não conseguisse mais domá-lo, temia aquela hora em que o axioma invade, toma conta da conta e se instala na alma, como o mais devastador tsunami. Dali, sabia que não haveria volta. Por isso, evitava dar asas ao raciocínio. Sabia que podia ser custoso. Começou a correr; gostava disso. E gostava da distração que o movimento lhe causava. Uma gota escorria da franja e pingara no rosto, à porta de casa.

Entrou, jogou a mochila no chão e prosseguiu. Viu pelas costas aquela que o esperava; ela virou-se e gritou de felicidade. Ele fez um sorriso. Ela exclamou novamente em voz alta. A dúvida alfinetou com força. Já era tarde, não conseguiria contê-la. Fez outro sorriso e subiu as escadas. Calou-se, na certeza de que amanhã seria um novo dia. Sempre esperava o novo dia, depois da noite que tudo dissolvia. Por dentro, tudo emudeceu.

(continua)

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