quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Os bolinhos, a faca e a chuva

Ela vinha com aquela faca pontiaguda e apontava para a minha testa. Nos meu cinco, seis anos, eu suava frio. Pensava o que queria aquela mulher, porque ela me apontava uma faca??? O que eu teria feito?? Passava tão pertinho que eu tinha a certeza que ela ia me machucar. Mas sempre errava o alvo. E sussurava coisas que eu não podia distinguir. Minha espinha dorsal se encolhia cada vez que eu via aquela mulher. E ela usava muita água. Lavava a faca, colocava um bocado num potinho. E voltava com a faca; aquele cabo de madeira da Tramontina, a ponta reluzente e encharcada de água. Em alguns momentos, eu era capaz de sentir minha testa furar.

Estive lá muitas vezes, em companhia da minha avó. Chegava na porta daquela casa de muro amarelo e muitas plantas na porta e já começava a ter calafrios. Subia a longa escada, também envolta em plantas, e me colocavam sentada num banquinho, ao lado do tanque. Chegando em casa, minha avó - que era cozinheira de mão cheia -  me fazia bolinhos de chuva. Colocava-os numa tigelinha e me dava um banquinho na mão. Punha-me a sentar atrás da porta da cozinha, que dava para a área de serviço do apartamento. Também não sabia o por que eu tinha que ficar escondidinha. Será que mais alguém queria meus bolinhos? Eram gostosos, como tudo o que ela fazia. O fato é que eu simplesmente obedecia. Só não aguentava comer todos de uma vez.

E ainda voltei lá muitas vezes. Com o passar do tempo, pedia para me levar lá. Com os anos, passei a compreender e entender que havia algum sentido invisível naquilo tudo. E lembro-me até do dia em que a filha dela me perguntou: "Você vai prestar vestibular para quê?" "Jornalismo", respondi, sem saber a razào da pergunta. Ela ficou calada por alguns minutinhos. "Você vai ter uma carreira brilhante, minha intuição não falha", respondeu. A dona Carola faleceu. A filha herdou o dom ou o ofício da benzeção. Lamento ter esquecido onde ficava a casa delas. Mas não há medo que resista quando me lembro dos açucarados bolinhos de chuva...

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